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Posicionados em círculo, referenciando os encontros da cultura negra, a abertura da Flip Preta 2023, na sexta-feira (21), proporcionou aos participantes emoção, troca de idéias e a apresentação teatral de jovens formandos da Escola Municipal do Campinho, instituição que desenvolve, assim como as indígenas e costeiras, o ensino diferenciado com base nos conhecimentos tradicionais. Essa metodologia pedagógica integra uma rede mais abrangente, estimulada pelo Poder Público através da Secretaria Municipal de Educação.
Apoiada pela Prefeitura de Paraty, por meio da Secretaria de Cultura, tanto o prefeito Luciano Vidal quanto os secretários de Cultura Zé Sérgio Barros e Andrea Maseda prestigiaram o evento, onde destacaram as ações culturais e políticas públicas direcionadas para toda cidade, incluindo o Quilombo do Campinho da Independência. O secretário nacional de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos, do Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo Santos, agradeceu o apoio municipal e defendeu a importância da realização de uma festa literária pautada pela narrativa africana.
Para contextualizar, a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, acontece no Centro Histórico há 20 anos, oportunizando e propondo debates acerca das obras de variados intelectuais do Brasil e do mundo. Até 2019, na pré pandemia, a festa acontecia entre os meses de junho e julho, justificando a escolha da programação preta no Campinho. Em 2022, pela primeira vez, uma escritora negra foi homenageada no evento: Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista do país.

Um dos destaques do primeiro dia da Festa Literária de Paraty Preta foi a mesa 'As Três Mulheres', mediada pela presidenta da Associação de Moradores do Campinho (AMOQC), Dani Elias, que aproveitou a oportunidade para cruzar o debate com posicionamentos pessoais e de luta. O trio feminino homenageado diz respeito às matriarcas fundadoras do quilombo, Antonica, Marcelina e Maria Luiza.
A convidada Marinete Silva teve a estrutura familiar afetada por um crime que retorna à mídia após avanços nas investigações. Marinete é advogada, mãe da ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) e da ex-vereadora Marielle Franco, vítima de violência política em 2018. Foi sobre essa temática que a carioca fez uso dos 15 minutos reservados na conversa.
Já Suane Brazão, vinda do Amapá, compartilhou um pouco do trabalho desenvolvido no território onde vive e mostrou para a plateia o outro lado da contadora de histórias e articuladora social: o lado de cantadeira. A amapaense mesclou a tranquilidade do canto com a contundência da fala perpassada não somente pelo racismo, mas pelas conquistas e poder da população preta.
Quem agitou os intervalos com diferentes gêneros musicais foi o DJ Calixto Loop, abrindo espaço para o grande show da noite: 'A Força da Natureza', interpretado pela escritora e compositora Laura Mariá. Com o palco tomado de folhas e incensos, a artista paratiense apresentou o repertório autoral já conhecido por muitos. Quem não cantarolou o trecho "minha arruda nasceu flor quando eu mais precisei"? De azul e turbante, o figurino foi uma atração à parte.

Educação Antirracista
A Festa Literária de Paraty Preta teve a 'educação antirracista' como fio condutor da programação. Convidados de diferentes regiões do país e da própria comunidade participaram de rodas de conversa, shows e trataram do assunto durante três dias intensos de celebração à intelectualidade negra.
No sábado (22) a festa começou com a oficina 'Mancala: O Jogo da Semeadura', atividade conduzida pela educadora social Beta Ferreira. Mancala é um termo que diz respeito a uma família de passatempos, e não a um único jogo em especial. Essas atividades simulam o acontecimento da semeadura, o processo de germinação das sementes na terra, passando pelo desenvolvimento, até culminar na colheita. Clique aqui para saber mais sobre esse assunto.
Durante a tarde dois momentos receberam importantes conversas. A mesa 'Educação Antirracista' reuniu as vozes da deputada estadual Renata Souza (PSOL), presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher; Mestra Laura Santos, liderança do Quilombo do Campinho; Gilvânia Silva, doutora em Sociologia pela UNB; e Beta Ferreira. Neste espaço foi discutido a relação pedagógica como instrumento contra o racismo e preconceitos.
A mesa 'Saúde da População Negra' foi composta pela Mestra Dilma, artesã e parteira no Campinho; Daniele Muniz, fundadora da Psique em Forma: Psicologia, Esporte e Formação; André Luiz, doutor em Medicina Social pela UERJ; e Luciene dos Santos, integrante do Coletivo de Psicologia Popular.

Os bailarinos Rosa Mpfumo e Valdo Guirrugo, coreógrafos da Cia de Dança Rota da Liberdade, apresentaram a música e a dança moçambicana. O casal fundou em Maputo, capital de Moçambique, a Associação Cultural Lwandl e atualmente mora no Brasil, onde realiza ações de intervenção artística em festivais e encontros, como a Flip Preta.
A plateia ficou emocionada com o som da m’bila, instrumento formado por um grande teclado de madeira acoplado a cabaças de ressonância, fixadas com cera de abelha, e tradicional do povo Vachopi, do sudeste de Moçambique. O toque do tambor também acompanhou o canto e a dança de Mpfumo, que mais cedo havia conduzido a oficina de turbante e pintura. Foi uma festa!
No encerramento da programação do segundo dia, o grupo Realidade Negra, originado no Campinho, subiu ao palco e entoou os versos de 'É Prus Guerreiro a Missão', único disco da banda formada no ano 2004 e reconhecida por ser o primeiro grupo de rap quilombola do país. A cantora e compositora de São Gonçalo (RJ) Taís Feijão encerrou a noite apresentando composições próprias.

Mestras e Mestres
No domingo (23), a mesa das 'Mestras e Mestres' foi um espetáculo por evidenciar a história do quilombo contada pelos moradores e colocar no centro a biografia de personalidades de diferentes territórios brasileiros. Na roda de conversa estiveram presentes Mestre Álvaro, grande mestre griô e grande conhecedor de ervas medicinais; Mestra Adilsa, artesã conhecedora das artes das tramas da cestaria do Campinho; Mestre Tuca, griô vice-presidente da AMOQC e integrante do grupo de samba Batuque na Cozinha; Mestre TC, liderança da Casa da Cultura Tainã, em Campinas; Mestre Chita, mestre de samba de roda; Vovó Cici, herbolária e Egbomi do Terreiro Ilê Axé Opô Aganju, em Salvador; Mestre Ivamar e Mestra Laura Santos.
Promovendo educação antirracista, as crianças se atentaram às histórias contadas por Suane Brazão e Mestre Ivamar na oficina 'Vivência Amazonizando Infâncias'. Suane trouxe para Paraty as memórias de onde nasceu: o Quilombo do Maruanum, em Macapá. Entre um conto e outro, o público aprendeu sobre o Rio Amazonas, o maior rio do mundo, e sobre a relação com a terra e a natureza. Depois foi a vez do Mestre Ivamar Santos, ativista do movimento negro desde 1970 e coordenador do Coletivo Amazônizando, convidando a plateia para aprender sobre o tambor e participar de um cortejo pelos espaços do evento.

Na mesa 'Diáspora Africana' os convidados conversaram sobre o desconhecimento das pessoas a respeito do continente africano e da diversidade cultural dos 54 países. Políticas públicas afirmativas também foram colocadas em pauta e debatidas por Ronaldo dos Santos, Valdo e Rosa, além de Mariléa de Almeida, autora do livro 'Devir Quilombola: antirracismo, afeto e política nas práticas de mulheres quilombolas', e Cizinho Afreeka, integrante do Griotagem - Encontros Poéticos entre Pretos e Pretas e autor dos livros 'Desakato Lírico' e 'Ódio'.
Para a intervenção 'Movimentos Ancestrais' a bailarina Vera Passos e o músico Nei Sacramento mostraram o resultado dos trabalhos desenvolvidos na Casa de Cultura Somovimento, em Salvador. O centro de referência de cultura da diáspora africana realiza atividades de dança e música com o objetivo de afirmar a presença e a memória dos saberes ancestrais das matrizes africanas no Brasil.
O tradicional Jongo do Quilombo do Campinho e as rodas de samba coroaram o término da Flip Preta 2023. Também com composições autorais, a expressão cultural voltada para a dança uniu visitantes, crianças e jovens, além dos mais velhos que, historicamente, conduzem os movimentos do círculo.

Visite o Quilombo do Campinho e incentive o turismo de base comunitária. Acompanhe as programações festivas da comunidade nas redes sociais.
Texto: Débora Monteiro e Matheus Ruffino
Fotografia: Filipe Campos
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