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FESTA DE YEMONJÁ CHEGA À 10ª EDIÇÃO

FESTA DE YEMONJÁ CHEGA À 10ª EDIÇÃO

20/03/2023 15h06 | 800

Evento promoveu debates e cortejos na terra e no mar; grupo de maracatu Itaomi estendeu performance até a Ilha das Cobras e Largo da Santa Rita foi palco de apresentações musicais

Antes de pontuar os destaques da 10ª edição da Festa de Yemonjá, realizada pela Prefeitura de Paraty, por meio da Secretaria de Cultura e Casas de Matriz Africana de Paraty, vamos esclarecer que a grafia 'Yemonjá', embora pouco usual no Brasil, está correta. Após o anúncio da festividade nas redes sociais, alguns seguidores questionaram o uso da palavra, justamente por não estarem habituados a lerem ou escreverem dessa maneira.

A intérprete Maria Bethânia, filha dos orixás Iansã e Oxum, tem no repertório uma música que se pergunta: “Quanto nome tem a Rainha do Mar?” E a composição responde: “Dandalunda, Janaína, Marabô, Princesa de Aiocá, Inaê, Sereia, Mucunã, Maria, Dona Yemanjá”. Essas são apenas algumas possibilidades para nomeá-la, podendo variar conforme a origem e a nação africana – Ketu, Angola, Nagô e outras. As palavras são objetos vivos e acompanham os variados ritmos e movimentos da sociedade. A expressão 'Iemanjá', provavelmente a mais popular neste contexto, foi um jeito que a brasilidade encontrou para saudar essa figura reverenciada em fevereiro. Portanto, todas as formas são possíveis.

Superadas as noções linguísticas, as atenções se voltam para a celebração que teve início em Paraty dia 2 e se estendeu até 5 de fevereiro com shows, cortejos e debates. Sob o tema 'Espiritualidade, Cultura e Gastronomia', a Festa de Yemonjá 2023 uniu todos esses elementos já na abertura realizada na Casa da Cultura, dia 2, com a presença dos sacerdotes paratienses Pai Pedro Paulo e o Babalorixá Roberto Alves; a mesa contou também com a participação da Yalorixá Pollyana Aires e mediação da historiadora Marta Ferreira. Na plateia, a Secretaria de Cultura esteve representada pelo secretário municipal de Cultura, José Sérgio Barros, e pela adjunta, Andrea Maseda, ambos agradecidos pelo suporte e viabilidade da festa.

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Ao fim do cerimonial, que pautou temas como união entre os povos de matriz africana, herança ancestral e homenagens à Yemanjá, a Cultura ofereceu aos participantes o coquetel caiçara, com pratos típicos da gastronomia paratiense. O encerramento da programação do primeiro dia foi acompanhado por quase 30 músicos do grupo Maracatu Tira o Mofo, que comandou o cortejo desde a rua paralela à Casa da Cultura até chegar à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

Durante todo o evento e a convite da Secretaria de Cultura, artesãs e artesãos participaram da décima edição da Festa de Yemonjá e levaram seu artesanato, além de criarem peças exclusivas pensando na Rainha do Mar. O Espaço Economia Criativa é o espaço institucional da Secretaria de Cultura de Paraty. Idealizado para consolidar a permanência das tradições e manifestações cultural e perpetuar a salvaguarda do patrimônio material e imaterial da cidade, o ambiente tem estrutura para funcionar como um receptivo de parceiros, promovendo rodas de conversa e área expositiva de comercialização diretamente com os agentes culturais e agricultores familiares do Programa Municipal de Produção Artesanal, que envolve os setores de artesanato e artes visuais, gastronomia processada e agricultura familiar. 

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Roda de conversa

Na tarde de sexta-feira, 3, as pessoas marcaram presença para acompanhar a mesa 'Forças Matriarcais', parte da programação do segundo dia da Festa de Yemonjá. Silenciosas, mantiveram-se reverentes às convidadas e atentas à conversa entre Laura Santos, Mauricéia Pimenta e a Yalorixá Pollyanna Aires, com mediação de Marta Ferreira. 

O céu estava bastante carregado quando elas subiram ao palco montado no Largo da Santa Rita. Anunciava chuva, daquelas que lavam Paraty com ventania e trovoada, para ninguém pisar as ruas de pedra do Centro Histórico. Convite para recolhimento. Pausa. A tarde fez-se quieta à espera das vozes que ecoariam diante da Igreja de Santa Rita.

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Ouvir falas potentes que versam sobre a história da presença feminina nas comunidades, promovendo a reflexão sobre os diversos papéis da mulher na sociedade, é um privilégio. Ainda mais quando estamos diante de mestras como Laura, líder quilombola, artista, educadora, mãe, avó, filha, neta. Até o sol decidiu aparecer enquanto ela compartilhava saberes. “Se ele sair do esconderijo eu prometo aguentar só um pouquinho”, evocou Laura.

Pois manteve-se inteira sob o sol escaldante que não titubeou e trouxe seu esplendor naquele entardecer, talvez um dos mais quentes deste verão. Ninguém fugiu do calor, como as mulheres que nunca fogem à luta para garantir direitos e honrarem suas ancestrais. 

Por elas e pelas que virão, Mauricéia agradeceu a oportunidade de representar seu povo nesses momentos de escuta tão importantes, onde o conhecimento é compartilhado democraticamente com cuidado e humildade. Caiçara da praia de São Gonçalo, em Paraty, Mauricéia é mãe, artesã, erveira conhecedora de plantas medicinais e participa da Coletiva Mulheres da Terra. Formada em licenciatura de educação do campo pela UFRJ e guia regional de turismo, ela celebrou o fato de ser a primeira mulher da família a ter ingressado na universidade e concluído os estudos acadêmicos. E afirmou ser fundamental o espaço de reverência às matriarcas dentro da Festa de Yemonjá. "É de profunda grandeza termos oportunidade de falar como mulheres representantes da nossa cidade, território excepcional por estar rodeado pelo mar e ter sido construído pelo povo preto e pelos povos originários".

A experiência de aprendizado foi saudada pela Yalorixá Pollyanna Aires, que contou sobre a própria jornada. "Estou nessa caminhada de conhecimento junto a todas as mulheres: as mais velhas, as jovens, as crianças". Na conversa, a mediadora Marta Ferreira também enfatizou a importância das atividades culturais nos dias de celebração. "Para nós de matriz africana é essencial esse momento de mostrar como nossos saberes se propagam para além dos muros do terreiro". Afinal, a festa é mais do que religiosidade. “É o nosso modo de ser, estar e compreender o mundo".

Liderança do Quilombo do Campinho, Laura trouxe percepções da própria vivência. “Houve um tempo em que minhas ancestrais decidiram viver como sempre quiseram, colocando em prática todos os ensinamentos que tiveram em África”. Pois para as antepassadas, os ensinamentos daqui, do colonizador, não teriam serventia. “Então elas largaram as fazendas e vieram construir suas casas como elas concebiam: casas de taipa, de estuque, como o casario do Centro Histórico, levantado com barro por nossos ancestrais; as casas com cobertura de sapê e fogão a lenha para fazer a comida e aquecer o coração”. Assim nasceram comunidades criadas geralmente próximas aos rios, à água doce para abastecer os moradores. “Essas mulheres foram deixando conhecimento para as próximas gerações, aprendemos com elas e com o território sobre a vida, sobre as épocas do ano, como os frutos nascem em cada espaço, como o clima influencia nas plantações, a diversidade, a troca com outros povos e lugares”. 

Para coroar o momento da mesa, o Grupo Mundiá Carimbó se apresentou durante a noite e convidou o público a dançar os ritmos amazônicos do carimbó, retumbão, xote bragantino e lundu marajoara. Se ‘mundiar’ significa encantar ou enfeitiçar e o show fez jus ao nome da banda. O repertório inspirado na identidade cultural africana, indígena, portuguesa, caribenha e amazônica trouxe canções que lembram a relação do homem com a natureza, suas encantarias e saberes populares. Foi uma festa! 

Cortejo para Iemanjá

A tradicional entrega do balaio com flores à entidade aconteceu no sábado, 4, pela manhã. Os batuques e cânticos dos ogãs (pessoas responsáveis pelo canto e toque) foram entoados durante todo o trajeto iniciado na Praia do Pontal e encerrado na Ilha da Bexiga. Em comentário na internet, uma seguidora do perfil da Secretaria de Cultura se manifestou assim: “Espero, de coração, que ninguém tenha colocado no barco dos presentes sabonete, vidro de perfume, garrafa de champanhe, pente, espelho, bijuterias, bonecas, cabelos e roupas. Nossa amada Yemonjá quer tudo isso no ibá (assentamento sagrado dos orixás) dela, mas no mar ela quer as frutas e flores”.

Nos registros feitos pelos fotógrafos Nathã Lima e Rafaela Marsico é percebido a ausência dos objetos poluentes descritos anteriormente. A preocupação ambiental vem sendo incorporada por diferentes casas de terreiro, reafirmando o lugar que o meio ambiente, a mata e o verde ocupam dentro dos ritos da religião. “Sem folha não tem sonho, não tem vida, não tem nada”, defendeu Gerônimo Santana e Ildásio Tavares no poema ‘Salve as Folhas’.

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Os religiosos puxaram a procissão pelas ruas do Centro Histórico às 7h30, horário exato em que o cortejo estava marcado, deixando para trás apenas os aromas e o vulto de um grupo vestido de branco. As embarcações foram divididas por casas de terreiro e seus respectivos líderes, além dos barcos de apoio como os da Defesa Civil e do clube de canoagem VA’A Paraty.

Antes da ida para o mar, a repórter Maria Mariana, da tv Rio Sul, fez uma entrada ao vivo dentro do programa ‘É de Casa’, da Rede Globo, mostrando a celebração paratiense em todo território nacional. Ela entrevistava a historiadora Marta Ferreira, que comentava sobre os significados e a importância da manifestação sociorreligiosa no cenário regional.

Cantorias, atabaques, rezas, abraços, ijexás, emoções, corpos manifestados e agrados para a Rainha do Mar: muito mais que os cestos com flores, outra doação simbólica se personificou em cada filho e sacerdote, indivíduos entregues de corpo e alma a uma experiência profunda de fé.

Em frente à Igreja de Santa Rita o grupo de maracatu Itaomi literalmente esquentava os tambores debaixo de um sol escaldante. Concluindo a parte marítima e dando início à programação da tarde, a Yalorixá Pollyanna Aires conduziu outro cortejo até o bairro da Ilha das Cobras, localidade com histórico de vulnerabilidade social e violência. “Quero pedir licença à comunidade da Ilha das Cobras para entrar nesse território, trazendo o maracatu Itaomi (...) É importante dizer que é sobre resistência, sobre a manutenção da cultura negra dentro desse território”, disse ela ao chegar na quadra central, despertando a atenção dos moradores que recepcionaram os participantes com fogos de artifício e, de mãos dadas, participaram de uma grande roda no intuito de finalizar o momento e compartilhar boas energias. De noite, Pollyanna Aires voltou a subir ao palco no Largo da Santa Rita para seu show autoral: Mana Xangô

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No domingo o Tambor de Crioula São Benedito das Flores, grupo formado no município, encerrou a 10ª Festa de Yemonjá. Com a fogueira acesa no gramado, os instrumentos foram afinados para o momento da apresentação, quando as mulheres dançam ao som dos tambores com passos miúdos e rodopios, culminando na punga ou umbigada. O movimento delas tocando o ventre uma das outras é o gesto entendido como saudação ou convite para entrar na roda. Perpetuando a cultura, as crianças participaram da apresentação e bailaram no ritmo.

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O fogo manteve-se aceso durante todo o momento, levado para debaixo de uma árvore e cuidado pelos participantes atentos aos pingos de chuva que insistiam em cair ao entardecer. Essa atenção é indispensável para garantir que os tambores tenham 'boa voz quentados a fogo'. É a quentura do fogo que acompanha o tambor, pois ele precisa retirar das chamas a força para se expressar. Além disso, afasta os males, espanta as más energias.

Com tamanho simbolismo, louvando a cultura e as tradições em Paraty e muito axé, a festividade marcou o calendário da cidade em 2023. 

 

Texto: Débora Monteiro e Matheus Ruffino

Revisão: Milton Batista

Fotografia: Nathã Lima e Rafaela Marsico

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